Flores da Sombra

É assim a escrita de Francisco Pacheco: cheia de tentáculos, ela pega as coisas do mundo por vários lados, pelas pontas, salta para pegar de novo, de frente, circunda, rodela, gira, alisa que é o que a linguagem faz com a vida. Vida que, está em "A moça de renda", como a lua, nunca se deixa aprisi-onar, nunca se detém: "o silêncio/ o mistério/ nunca desven-dado/do luar,/ o luar/ que não se delxa/ capturar". Palavras, só mariposas delicadas, a lhe sobrevoar a face. A lhe beijar.

Em "Zero e infinito", Pacheco afirma, enfim, o destino de sua luta: "Tinha que haver um arranjo para o encadeamento do que estava solto". Esse encadeamento é a literatura, que não é, como muitos supõem, um simples produto da invenção, uma fantasia, uma alucinação-mas, sim, um modo de agarrar a vida e de lhe determinar caminhos. Um modo, precário, mas ardente, de viver.

José Castello
Jornalista, escritor e crítico literário regular de O Globo, O Estado de S. Paulo, etc É autor, entre outros, de "Vinicius de Moraes: O Poeta da Paixão" (Companhia das Letras, 1993).

São várias as experiências de narrativas minimalistas, "minicontos", por assim dizer, em que toda uma história não toma mais do que um parágrafo, às vezes uma única oração. Flores da Sombra, de Francisco Pacheco pode, por um lado, associar-se a esta corrente literária. Por outro, é mais do que isto, já que envolve basicamente retalhos de memórias, vivências esparsas ou errâncias de imaginação, como se o autor estivesse exercendo uma espécie de "atenção flutuante" ao tempo do mundo. Há fios soltos, pedaços de consciência que, se acaso remetem a influências joyceanas, não deixam de costurar-se formalmente em narrativas e versos. O título de um dos textos, "Águas de Heráclito", é revelador: a escrita de Pacheco tem um fluxo próprio, como se convidando o leitor a entrar de novo num rio que já não será mais o mesmo.

Muniz Sodré
Professor-titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, escritor, atual presidente da Fundação Biblioteca Nacional.