News › Prosa Psicanalítica e Versões "Versão portuguesa e versão brasileira sobre a independência do Brasil"

Versão portuguesa e versão brasileira sobre a independência do Brasil

Prosa Psicanalítica e Versões

Data: CANCELADO
Horário: 11h (horário Brasil)
                15h (horário de Portugal)
Plataforma Zoom
Sem inscrições prévias

Título: versão brasileira e versão portuguesa sobre a independência do Brasil

Convidados:
Centro Português de Psicanálise - ALI
Maria Belo
Jorge Gravanita
Jean Marc Bouville
Christianna Whitaker
Marlene Iucksch
Lucas Ferraco


Anfitriões:
Conceição de Fátima Beltrão Fleig
Mario Fleig

Comissão organizadora: Lia Cunha Poletto
                                             Marcela M. Furlan de Léo
                                             Návia T. Pattussi
                                             Vânia A. Pattussi

Argumento:

Entrelaçar a versão portuguesa com a versão brasileira a respeito da denominada Independência do Brasil, dentro do campo que nos concerne, a Psicanálise, é o tema do bate-papo ao qual os convidamos. Para a discussão estarão presentes amigos portugueses, brasileiros radicados em Portugal, colega francês radicado em Lisboa e nós que habitamos no Brasil. Várias vozes sob diversos ângulos.
Entretanto, para início de conversa se impõe uma pergunta: o que um psicanalista pode dizer e o que tem a dizer a respeito de um acontecimento social? Terá algo a dizer? Ou então, o que o tratamento dado a um fato e seu destino pode ensinar a um psicanalista? Ou ainda, será que a narrativa heroica, assim como o mito, poderia ser tomada como tentativa de dar forma épica àquilo que opera pela estrutura, conforme Lacan?
Tomemos como referência Freud. Em seu escrito, que nomeou de “romance histórico”, propõe a interpretação da origem de Moisés e aborda a substância de verdade da religião. Podemos, seguindo essa vertente, examinar a substância de verdade que subjaz às formas de apagamento em um fato elevado à condição de mito fundador, resto este que determina seu acontecer, persistindo e organizando em sua insistência o devir.
Tomemos alguns elementos fundadores: a poesia que advém da letra do hino, o texto primeiro de uma historiografia nacional, e o quadro que dá corpo ao instante originário.
Em primeiro lugar, o Hino nacional brasileiro conserva a melodia composta em 1823, mas cuja letra passou por alterações até sua versão oficial ser definida em 1922, já na República, com a poesia de Joaquim Osório Duque Estrada.
A primeira estrofe atualmente cantada, refere-se ao feito, em 1822, de Dom Pedro de Alcântara, Príncipe Regente e herdeiro da coroa portuguesa, perpetuado como “O grito do Ipiranga”.
“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante,
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da pátria nesse instante.”

Na referida estrofe e reescrevendo-a sem a figura de hipérbole, lê-se:
As margens plácidas do Ipiranga ouviram
o brado retumbante de um povo heroico...
O glorioso grito de D. Pedro, o glorioso chamado à luta pela liberdade, está representado ou substituído pelo brado retumbante do heroico povo. Brado, sinônimo de grito, de voz forte e enérgica para ser ouvida longe. Neste deslocamento é o povo que brada, e o Príncipe também incluído ou excluído na nova pátria.
No tocante à história oficial, foi publicada em 1850 a obra de Francisco Adolfo Varnhagen, brasileiro residente em Portugal, sob encomenda do segundo Império. Ele constrói a narrativa datando em 1500 o início do relato.
Já na arte, é o jurista Barão de Ramalho, no final do segundo império que encomenda para Pedro Américo, a representação pictórica, com o título “Independência ou morte”, cuja tela é concluída em 1888.
Nesta parca abordagem dos três elementos que constroem um imaginário e festejam a epopeia, localizamos um elemento invariável, quer seja, a melodia do hino, datada de 1823. Sua letra passou por alterações e modificações, por um bom tempo ela não teve letra. Posteriormente, somente cantores líricos conseguiam articular a letra com a música, mas a melodia se manteve inalterada, tendo sido entoada para enaltecer o fundador ou para festejar sua queda, para homenagear seu sucessor e como hino dos que o destituíram. Um hino enaltece o falo, e um hino sem letra?
Qual ou quais elementos invariáveis nos fundam, os portugueses e os brasileiros? Uma letra a ser escrita ou um fragmento de verdade em busca de uma inscrição simbólica?
Por analogia, estão as fronteiras como testemunha. Por um lado, a língua espanhola e, pelo outro flanco o Oceano Atlântico, o que faz lembrar um simpático e atordoante episódio de viagem. Num voo de Portugal para o Brasil, sento-me ao lado de um português e conversamos muito sobre nossas origens e o assunto enveredou para o lugar de nascimento de nossas mães. Precisamente chegávamos próximos à costa brasileira e, sendo o entardecer, meu novo amigo fica atônico com o sol não se por no mar, e eu atônita na certeza de que o sol nunca se põe no mar. Nos olhamos siderados, fisgados num real, emudecidos, nem lá, nem cá, num tempo em suspenso. De que terra, de que mãe falávamos?

Conceição de Fátima Beltrão Fleig

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