O sujeito artista: criação, processo e arte. | Angelo Patricio Gomes Sergio

O sujeito artista: criação, processo e arte.

Angelo Patricio Gomes Sergio ¹
1. Professor de Geografia formado pela PUC/RS (2002), Ator de Livre Formação (1990) e Psicanalista em 2º Supervisão Clínica – Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul (2015).

A banda.

            A montagem do espetáculo “A Banda” se definiu em momento importante da trajetória do “Grupo Teatral Casa de Joana” que colocou como meta, para o ano de 2017, desenvolver um processo criativo diferenciado dos anteriormente produzidos, com vistas a dar suporte à montagem de uma peça teatral inédita. Para tanto passou-se à investigação de diversos clássicos da dramaturgia e da literatura com vistas à produção de um texto que fosse adaptado, ou, à forja de um texto de livre inspiração - sendo este último o que se concretizou-, bem como, ao desenvolvimento de oficinas criativas voltadas à construção de personagens, apoiadas totalmente no desenvolvimento de jogos de improvisação de cenas teatrais e de leituras dramatizadas inclusive de matérias jornalísticas. Etapa que ao ser concluída abriu espaço à montagem propriamente dita do Espetáculo Teatral “A Banda”, livremente inspirado nos textos do dramaturgo Federico Garcia Lorca, A Casa de Bernarda Alba e do dramaturgo Nelson Rodrigues, Boca de Ouro. Nesse sentido, o espetáculo “A Banda” constitui-se como o resultado da profícua germinação de um intenso processo criativo desde o início estimulante, cujo resultado uniu dramaturgia e também a música, para contar uma história que busca enunciar certos saberes, os quais podemos reconhecer nas marcas que os personagens deixam sobre o tecido da organização familiar apresentada na história. À qual remete que confrontemos às exigências das novas configurações familiares que pululam na sociedade atual. Principalmente, àquelas que surgem da potência das ações (atuações) dos sujeitos que desempenham seus papéis, à força de um que, de fundo sempre inconsciente, necessários de serem ultrapassados.

            De sorte que observar a posição dos afetos, por meio da leitura dos movimentos relacionais dos egos dos personagens, organizados na cena teatral para forjar uma propositura de jogo de espelhos, no qual o expectador se coloca identificado à cena apresentada, à medida que igualmente constrói a reflexão de sua própria problemática interna. Esse foi um dos pontos mais importantes que este autor/diretor estabeleceu como uma das metas a alcançar, no desenvolvimento desse trabalho e que os atores e atrizes do Grupo Teatral Casa de Joana se propuseram atingir, no avanço e realização da montagem do espetáculo “A Banda”. Assim, que tomados da disposição de fazer interagir música e dramaturgia apoiadas pela introdução de algumas ferramentas amplamente utilizadas pelas novas mídias sociais mergulhamos no jogo criativo, tutelados pelos elementos teóricos da encenação teatral. Essenciais para enriquecer à narrativa de caráter pedagógico que o grupo toma como emblema entendendo ser esta essencial ao avanço do processo criativo de estruturação dramatúrgica. Mais ainda sendo todo esse processo amplamente amparado pelo suporte dos conceitos de viés psicanalítico expressos a partir das obras de Freud e Lacan, bem como, especificamente daquelas que dão suporte ao trabalho do ator, advindas essas sim dos conceitos extraídos do arcabouço teórico do encenador e dramaturgo russo Bertold Brecht.


Sombra e o Traço.

            O mesmo “vai e vem” dos sentidos perseguindo o “não sabido saber”, aquilo nunca de primeira legível, sempre mutável e incompatível com a satisfação ou insatisfação no vivido. Justamente por ser algo da ordem do primordial retrospectivo, à necessidade e a demanda, o “desejo”. O ponto de onde entendo se pode instaurar o processo criativo resultante talvez, do esforço mais avançado entre labirínticas tentativas de investimento, para instaurar processos que visam à elaboração daquilo que recheia o sujeito, “a falta”.

            Nesse sentido, a abordagem que aqui proponho coloca um marcador a partir do escopo das relações que o artista estabelece com seus objetos de arte – no caso específico – aqueles que resultam da sua produção criativa. De sorte que – nosso olhar – recai justamente sobre o movimento anterior, aquele em que o artista entrega ao público, o produto do seu processo, e este o eleva ou não, à condição de obra de arte. Momento do encontro em solidão do artista com certos elementos fundamentais, instalados em sua psique, dos quais considero são o combustível essencial impulsionador daquilo que nominamos processo artístico de criação.

            Assim, antes de prosseguir é preciso, contudo, destacar o motivo da referência aqui feita, à solidão, posto ser debaixo de suas asas que ocorre o momento fundamental do processo criativo, no qual, o sujeito artista se vê atravessado pela possibilidade de poder conhecer e então daí buscar elaborar, o saber que vislumbra, a respeito da sua própria posição diante do discurso do grande Outro. Um saber inequívoco sobre a sua mais indomada singularidade. Há por óbvio outros elementos a serem referidos, alguns anteriormente citados e outros, essenciais de terem sua presença igualmente destacada posto que, residem na psique, sendo responsáveis também por ajudar o sujeito a realizar seu processo criativo. Ao que aponto especificamente à presença dos elementos Alfa, sem os quais, como destacou Bion, “não se pode sonhar”, e eu enuncio num livre parafraseio criativo, “não se pode criar”.

            É, mais ainda mister, observar que, o processo criativo do artista resulta em última instância da sublimação dos produtos que se constituem a partir de manobras defensivas, às mais primitivas, às mais sofisticadas, sobretudo aquelas que lidam com elementos que ainda não chegaram ao campo da palavra e, por isso mesmo, não possuem “representantes da representação” dito grosso modo, estão ainda no campo “coisa”. Razão pela qual a construção de uma compreensão sobre como é concebido e se desenvolve o processo de criação artístico do sujeito, se tomado a partir de princípios lógico-cartesianos podem produzir resultados não satisfatórios, os quais, ao fim e cabo, tendem a capturar distorções da realidade que irão afetar a natureza intrínseca dos resultados do processo.

            Entretanto, cabe ainda apontar um aspecto importante à compreensão do tema, o de que, no mundo do sujeito artista e no mundo do não-artista pulula algo que força, impacta, reforça, aparece, desaparece pedindo encaminhamento. Contudo, a possibilidade de elaboração não difere entre ambos, mas, sim, aquilo que resulta do produto desta. No caso o não-artista produz “obras”, por exemplo, na medicina, na engenharia, na oficina, na igreja, gastronomia, entre os amigos, família etc. aparentemente podendo regular a distribuição da sua libido num modo tal que as realizações tendem a harmonizar, às diferentes instâncias da sua vida. Já o artista por outro lado investe nas suas obras, “atos de criação e processos”, em tal nível que às vezes sua libido é de tal modo “esgotada” na criação – do processo artístico de criação - que acaba comprometida quanto a poder ser investida nas relações com o outro. Em tempo impedindo-o de desenvolver inclusive relações saudáveis com o outro, em certos casos, que o empurram às relações que o aproximam da destrutividade, como apontam algumas boas biografias publicadas sobre a vida de tantos renomados artistas e seu universo de relações, ocupadas de narrar grandes derrocadas da subjetividade humana em contrapartida ao êxito alcançado pelo sujeito artista renomado por suas obras e trajetória. O certo é que em havendo algum impedimento dos sujeitos, em poderem desenvolver suas capacidades de elaboração, artistas e não-artistas, acabam submetidos à repetição, caracterizada pelo rol de forças, que bem sabemos a que cepa pertencem, às desligadas, à pulsão de morte.

REFERÊNCIAS
FIGUEIREDO, L C; A Mente do Analista; SP; Escuta; 2021.
GREEN, A; A Loucura Privada Psicanálise de Casos Limites; SP; Escuta; 2017.
GREEN, A; Conferências Brasileiras Metapsicologia dos Limites; RJ; Imago; 1990.
LACAN, J; O Seminário de um Discurso que não Fosse Semblante; RJ; Zahar; 2009.
LAPLANCHE, J; Fundamentos e Intersecções/org. Conte B. S.; SP; Scortecci; 2012.